domingo, 28 de outubro de 2012

Carta Testamento - Guarani-Kaiowá



Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil


Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Naviraí-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Naviraí-MS.

Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós.  Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.

Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados.

Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.

Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para  jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos.

Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.

Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay

Em 2004, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto de homologação de 14 terras indígenas, numa área total de 2.337.883 hectares. No entanto, a fim de evitar conflitos com os posseiros que vivem nas Terras Indígenas, ainda foi assinado um convênio para que o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ficasse com a responsabilidade de re-assentamento desses posseiros. Desta forma, caberia ao Incra o re-assentamento dos colonos em área demarcada no mesmo estado em que se localizam as terras indígenas homologadas.

O decreto beneficiava os povos indígenas Tikunas, Guaranis, Mura, Kulina, Tora, Aripuanã, Diahui, além de grupos isolados que vivem na região do Alto Tarauacá, no Acre. Assim, o Líder da Tribo Guarani-Kaiowá da área do Panambizinho, em Mato Grosso do Sul, esperava que fosse reduzido os suicídios entre os indígenas, como afirmou na época: "O número de suicídios de indígenas vai diminuir após a homologação das nossas terras".  


Ademais, a homologação pretendia beneficiar outras nove etnias em três estados com direito a suas terras, no total de 2.400 hectares. Sendo regulamentadas, as Terras do Lago Jauari, Nova Esperança do Rio Jandiatuba, Tora, Kumaru, Diahui, Paraná do Arauató, Rio Jumas, Lauro Sodré, Alto Tarauacá, Rio Urubu, Sepoti, Deni e Picati. Eis que, no Brasil há 102 milhões de hectares de terras indígenas, cuja ocupação dos colonos atinge o percentual de 10% dessas áreas.

Considerando a homologação, acrescentou Valdomiro Aquino, índio da tribo Guarani Kaiowá:  "Temos uma terra. Temos onde criar nossos filhos e netos. Não precisamos mais fugir"

Para o Presidente Lula era uma questão de justiça e o governo não estaria fazendo nenhum favor ao reconhecer essas áreas, conforme afirmou: "Nós não estamos fazendo nenhum favor quando reconhecemos uma terra indígena. Estamos fazendo apenas justiça para os que foram vítimas de injustiça durante tantos anos". Ressaltando ainda, que cabe a sociedade reivindicar e exigir do governo mais atuação: "Quem está no Palácio governando pode até achar que está tudo resolvido se não tiver reclamação"

Acontece que em 2009, o Ministro Gilmar Mendes na época como Presidente da Suprema Corte (STF), suspendeu liminarmente o aludido decreto presidencial que protegia os direitos dos Indígenas, em favor dos fazendeiros da região. Corroborando diretamente com os interesses dos invasores poderosos das fazendas Polegar, São Judas Tadeu, Porto Domingos e Potreiro-Corá., em prejuízo das minorias indígenas. O que nos leva a crer uma evidente parcialidade e descrença do Poder Judiciário, como um Poder paralelo apenas para atender os interesses da classe dominante.  

Considerando, a afronta sumária do STF quanto aos direitos dos verdadeiros donos das Terras, objeto dos conflitos, a situação encontra-se periclitante, com suicídios dos índios e ameaça de um genocídio iminente, dado a decisão em setembro do corrente ano pela Justiça Federal de Naviraí em Mato Grosso do Sul, em expulsar definitivamente a comunidade Guarani-Kaiowá de suas Terras. 

Não obstante, a injustiça proferida e as ameaças dos pistoleiros contratados pelos fazendeiros da região respaldados pelo "Poder Judiciário". A comunidade Guarani-Kaiomá totalmente desamparada lança mão de um recurso alheio à sua cultura, através da supra mencionada Carta Testamento em apelo por suas Terras, em que pleiteiam morrer por seu território sagrado. 


Fonte: CIMI - Conselho Indigenista Missionário

              www.rededemocratica.org 

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