terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Decisão inusitada contra "Rolezinho" no Rio de Janeiro...

"A lei tem ouvidos pra te delatar

Nas pedras do teu próprio lar

(...)

A lei te vigia, bandido infeliz

Com seus olhos de raios X
(...)

A lei te procura amanhã de manhã

Com seu faro de dobermam


E se definitivamente a sociedade
só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo,
és um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
depois chamam os urubus

Se pensas que burlas as normas penais
Insuflas agitas e gritas demais
A lei logo vai te abraçar infrator
com seus braços de estivador"
Chico Buarque - Hino de Duran


Foto de O GLOBO

O MM. Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, através dos autos do Processo eletrônico: 0033184-51.2014.8.19.0001, deferiu o pedido dos Autores: FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ANCAR IC e CPPIB BOTAFOGO PARTICIPAÇÕES S.A., da Ação de Interdito Proibitório - Esbulho, Turbação, Ameaça / Posse contra o Réu: ROLEZINHO NO BOTAFOGO PRAIA SHOPPING, conforme decisão abaixo:  

"Decisão 

FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ANCAR IC e CPPIB BOTAFOGO PARTICIPAÇÕES S/A propõem a presente ação de interdito proibitório em desfavor de BLACK BLOC VERDADE alegando, em resumo, que administram um shopping center instalado no bairro de Botafogo e 
conforme amplamente divulgado em todos os veículos de mídia, recentemente os shoppings centers do País vêm sofrendo invasões promovidas por movimentos populares, conhecidos como "rolezinhos", onde milhares de pessoas organizadas através das redes sociais promovem invasões e algazarras em suas instalações, inviabilizando o comércio e impedindo o exercício do direito da maioria.  

Dizem que os referidos movimentos são caracterizados por confrontos com a polícia e atos de baderna e vandalismo, turbando a posse dos empreendedores de shoppings centers e colocando em risco a integridade física das demais pessoas que se encontram no local. 
  
Alegam que há notícias de que o movimento através de seus líderes e demais adeptos pretendem realizar manifestação nas dependências do Botafogo Praia Shopping, no próximo sábado dia 01 de fevereiro, segundo notícias contidas na página do evento na internet. Argumentam que a manifestação convocada é ilícita, pois viola o exercício de seu direito de propriedade.  

Enfim, pedem o deferimento de liminar a fim de que o movimento réu se abstenha de realizar manifestação dentro dos limites do Botafogo Praia Shopping, no próximo dia 01 de fevereiro de 2014, quer em sua parte interna, externa ou estacionamentos, abstendo-se de praticar atos de turbação ou esbulho.  

Decido. 

A petição inicial veio acompanhada de farta prova documental que confere credibilidade às alegações dos autores. Há inclusive documentos que atestam a convocação veiculada pelo grupo ora demandado, através das redes sociais. Sendo certo que vários seguidores já confirmaram presença na "manifestação", conforme eles próprios denominaram. Há inclusive sugestão para o uso de máscaras. Restando, inquestionável, que o que se pretende realizar não é uma mera ou simples reunião entre amigos em local aberto ao público numa tarde de sábado. 

Faz parte do regime democrático a livre manifestação de vontade acerca de qualquer assunto. A regra do jogo democrático, contudo, exige equilíbrio e ponderação. A Democracia não se compatibiliza com direitos absolutos. E é isso que a sabedoria popular proclama ao afirmar que "o meu direito termina onde começa o do outro". 

Se o requerido tem o direito de organizar e convocar protestos, não cabendo aqui verificar se são legítimos ou não, os requerentes têm o direito de defender sua propriedade e zelar pela integridade física daqueles buscam o seu espaço para momentos de lazer e diversão etc. Há também o direito dos lojistas e dos trabalhadores, que não são poucos, de exercerem suas funções e atividades. O que também lhes é assegurado pela ordem constitucional. 

Há de ser ressaltado, ainda, que a Constituição garante o direito de reunião pacífica em locais abertos ao público, mediante prévio aviso à autoridade competente (art. 5º, XVI). Ora, shoppings centers são estabelecimentos privados, não são ruas, avenidas ou praças. Caso se admita a realização de manifestos dessa natureza em tais estabelecimentos privados, repita-se, o que se estará admitindo é a prevalência indevida da vontade de um grupo contra o direito de propriedade dos requerentes, o direito de ir e vir dos consumidores e frequentadores, o direito ao livre exercício do trabalho e a exploração da atividade econômica. Além do evidente risco à integridade física de todos que porventura estejam no local tendo em vista o tumulto e a desordem que tais atos normalmente provocam. 

Por todo o exposto, estando presentes os requisitos legais defiro a liminar para determinar aos participantes do movimento denominado "Rolezinho no Botafogo Praia Shopping" que se abstenham se realizar qualquer manifestação nas dependências de propriedade dos autores, sob pena de imposição de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) aplicável a cada manifestante identificado. Oficie-se ao Comando da Polícia Militar para conhecimento e adoção das medidas necessárias ao fiel cumprimento da presente decisão. Oficie-se ao Juízo da Vara da Infância e Juventude para conhecimento. Cumpra-se por pelo menos dois oficiais de justiça que deverão permanecer de plantão no local para identificação dos manifestantes para posterior citação. 

Autorizo desde já o concurso da força policial. Autorizo também a afixação desta decisão em locais visíveis no Shopping Center. Intime-se. Cumpra-se com urgência. 

Rio de Janeiro, 31/01/2014. 


Katia Cilene da Hora Machado Bugarim - Juiz Titular"  


Outrossim, segue ainda, o Mandado para cumprimento da Liminar em caráter de urgência:


"URGENTE 
Processo Eletrônico 

MANDADO PARA CUMPRIMENTO DE LIMINAR, INTIMAÇÃO E CITAÇÃO 

Processo : 0033184-51.2014.8.19.0001 Distribuído em: 31/01/2014 
Classe/Assunto: Interdito Proibitório - Esbulho, Turbação, Ameaça / Posse 
Autor: FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ANCAR IC 
Autor: CPPIB BOTAFOGO PARTICIPAÇÕES S.A. 
Réu: ROLEZINHO NO BOTAFOGO PRAIA SHOPPING 
Oficial: 

Finalidade: Intimar a ré para cumprimento da liminar deferida à fl. 261/262, no seguinte teor: "defiro a liminar para determinar aos participantes do movimento denominado "Rolezinho no Botafogo Praia Shopping" que se abstenham se realizar qualquer manifestação nas dependências de propriedade dos autores, sob pena de imposição de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) aplicável a cada manifestante identificado. Oficie-se ao Comando da Polícia Militar para conhecimento e adoção das medidas necessárias ao fiel cumprimento da presente decisão, 

Oficie-se ao Juízo da Vara da Infância e Juventude para conhecimento. Cumpra-se por pelo menos dois oficiais de justiça que deverão permanecer de plantão no local para identificação dos manifestantes para posterior citação. Autorizo desde o concurso da força policial. Autorizo também a afixação desta decisão em locais visíveis no Shopping Center. Intime-se. Cumpra-se com urgência". 

Nome do Personagem: ROLEZINHO NO BOTAFOGO PRAIA SHOPPING 
Local da Diligência:Praia de Botafogo, nº 400 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ 


 O MM. Juiz de Direito, Dr.(a) Katia Cilene da Hora Machado Bugarim MANDA o Oficial de Justiça designado, em cumprimento ao presente, extraído dos autos do processo supracitado dirigir- se ao local indicado, ou onde lhe for apontado e proceder à CITAÇÃO e à INTIMAÇÃO da parte acima referida para CUMPRIMENTO DA LIMINAR deferida às fls. 262/263 supra mencionada. Que se cumpra na forma da lei. 

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2014. 


Katia Cilene da Hora Machado Bugarim - Juiz Titular" 


Os documentos apresentadas foram do noticiário da Veja, Estadão, Folha de São Paulo, decisões do Tribunal de São Paulo, dentre outros e, principalmente grupo da rede social do Facebook, Black Bloc Verdade.



De acordo com os relatos, houve constrangimento ilegal da Polícia, através de identificação pelo Facebook, conforme se segue:



"Ontem, por volta de umas 15h da tarde, estava indo ao Botafogo Praia Shopping e percebi uma movimentação de uns 10 ou 15 Policiais Militares na porta. Entrei, perguntei pra um dos seguranças o que estava acontecendo. Eu já tinha visto que alguns deles traziam nas mãos um tanto de papeis. A resposta do segurança foi que ele estava ali para proteger a minha integridade física de uma "suspeita de rolezinho". Notei, então, que o que os seguranças tinham nas mãos eram mesmo fotos e informações impressas do Facebook, e perguntei o que era. Resposta: "é um controle nosso de trabalho". 

Segurei a onda e fiz uns tweets contando o que aconteceu. Isso durou um minuto, tempo entre minha pergunta ao segurança e a chegada de três policiais militares e dois oficiais de justiça (um homem e uma mulher). Os cinco me abordaram para me fazer uma série de perguntas. Isso durou cerca de 20 minutos. Perguntaram se eu costumava frequentar aquele shopping, o que eu tinha ido fazer ali, se eu estava sabendo antes do que estava acontecendo, se eu fazia parte do movimento rolezinho e o motivo pelo qual fui perguntar ao segurança sobre o assunto. Uma abordagem surreal, típica de ditadura.

O oficial de justiça homem disse por mais de uma vez que uma liminar os protegia e permitia as abordagens. Disse também que a multa no valor de 2 mil reais seria paga por todos aqueles que descumprissem a ordem, e completou "vc não faz parte do movimento mesmo?". Repeti que não fazia porque sequer estava sabendo, mas que poderia fazer se assim julgasse justo. Foi quando a mulher me interrompeu e disse que se eu continuasse defendendo "esse pessoal" daqui a pouco eles "invadiriam minha casa". Respondi que isso era impossível, porque minha casa não representava nenhum processo de opressão a essas pessoas. Ela disse, então, que o MST invadiria minha casa. E eu falei que não, já que o MST só ocupa terras em busca de assentamentos. "E os sem-teto?", disse ela. "Só ocupam prédios públicos com o objetivo de conseguir suas moradias", respondi. "Eu sei, já tirei muitos deles de lá", ela retrucou sorrindo, satisfeita.

Segurando o choro e um documento que poderia servir para "me intimar", segundo eles (abaixo pra quem quiser ler), e com as mãos trêmulas, disse que me sentia intimidada com aquela abordagem. Completei que se no shopping aquilo era feito, daqui a pouco me parariam na rua, na minha casa e onde mais julgassem necessário.

O diálogo foi longo e muito mais sério do que posso expressar por aqui. Mas liguei para o Matheus que disse que eu poderia, se quisesse, registrar queixa por constrangimento ilegal. Fui então pra delegacia e liguei pro advogado do DDH, que me orientou a não registrar a ocorrência por entender que a polícia não é um órgão de confiança e que a denúncia poderia se voltar contra mim.

Os policiais que me abordaram junto aos oficiais de justiça eram negros, assim como os garotos das fotos que eles tinham nas mãos. Tive muita vontade de chorar, mas segurei. A luta continua.

PS: eu aleguei também ter perguntado aos seguranças para saber mais informações, já que sou jornalista e pesquisadora. Estou escrevendo também, há cerca de um mês, um artigo sobre os rolezinhos. Estava lá também como pesquisadora."


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