domingo, 2 de setembro de 2012

Os novos arranjos familiares...


Por Erick Wilson Pereira* 

Evento  ocorrido no município paulista de Tupã teve o condão de desafiar e desassossegar parcela da população brasileira. Um homem e duas mulheres foram ao Cartório de Notas da cidade oficializar, mediante escritura pública, união afetiva que se mantém, há três anos, na mesma residência.

Há tantos modelos de relações afetivas quanto de peculiaridades da pessoa humana. Conhecimento de fácil constatação, mas que não se presta à anuência pacífica ao tratar de situações atípicas que desafiam dogmas há muito consolidados. A reformulação sócio-jurídica que as entidades familiares têm experimentado nas últimas décadas não as tornou imunes aos preconceitos e comportamentos de resistência, embora hoje se apresentem libertas das amarras da exclusividade conjugal há séculos impostas pela Igreja. 

No universo das composições de famílias, conceitos juridicamente sedimentados e a injunção da monogamia ainda exercem peso considerável na idealização e na formação dos vínculos. A extensão dos seus reflexos sociais, religiosos e jurídicos faz esquecer que o dogma da monogamia não é princípio jurídico aplicável como dever às circunstâncias eleitas pelos protagonistas que dela prescindem em entidades familiares, a exemplo do companheirismo, da simultaneidade conjugal e da união poliafetiva ou estável concomitante. 

À família contemporânea tem sido conferido status de formadora de personalidade dos seus membros, função indissociável do fundamento jurídico da dignidade da pessoa humana, e do respeito e proteção à liberdade de escolha dos cidadãos, princípios caros ao Estado democrático de direito. Portanto, a deferência ao pluralismo, uma das marcas das constituições republicanas, não permite ao Estado laico interferir na vontade de membros de entidades ou arranjos familiares que auxiliam a concretizar a norma de proteção à pessoa.  

O livre-arbítrio expresso na declaração de vontade de constituir união estável concomitante, dotada de status jurídico de sociedade patrimonial, não deveria ser motivo de celeuma em vista de não enfrentar óbices do ponto de vista da Constituição federal e do Direito Civil. Não há proibição ou sanção em expresso. E, embora o poliafeto não receba a proteção do Direito de Família – família como entidade formada por duas pessoas –, seus adeptos eventualmente poderão pleitear, na esfera cível, indenização por serviços prestados ao longo do tempo de convivência, divisão de bens em caso de separação e morte, entre outros direitos. 

A importância do pioneirismo do registro da escritura pública de união poliafetiva não se cinge apenas a destacar a possibilidade de proteção das relações não monogâmicas, mas a buscar sua inserção entre as entidades familiares acolhidas pelo ordenamento mediante solução oriunda do Judiciário ou do Legislativo. 

Antes de atirar pedras de moralismo estéril, deveríamos reexaminar nossos preconceitos e ter em mente que o ordenamento jurídico brasileiro se constituiu como instância protetora, e não censora moral das escolhas dos modelos de relações afetivas dos cidadãos. Portanto, é razoável confiar que o debate principiado acerca da inserção e das repercussões sociais de modelos familiares atípicos aponte as fronteiras que a sociedade pretende fixar em relação à proteção jurídica do Estado. Já o fez em prol da união estável e da família homoafetiva. 

Nestes tempos em que muitos recusam as diferenças ou fingem não ver o que salta aos olhos, não custa lembrar a lição do civilista francês George Ripert: “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito”. 

* Erick Wilson Pereira é doutor em direito constitucional pela PUC/SP.

Fonte: www.jb.com.br


"O direito é a vontade, feita lei, da classe dominante, que, através de seus próprios postulados ideológicos, pretende considerá-lo como expressão aproximativa da justiça eterna." K. Marx
Em matéria publicada no JB acima postada, me veio à cabeça a hipocrisia da sociedade patriarcal, ainda carregada no falso moralismo arcaico. Relações pseudo-monogâmicas defendidas pelo sistema neo-liberal, aonde os homens são livres praticando a infidelidade, com suas amantes ou prostitutas, mantendo a mulher, "esposa", aos cuidados com a família e a preservação do patrimônio, já tem prazo de validade. Mesmo, que diante do respaldo do judiciário em desconsiderar a desigualdade de oportunidades entre os gêneros. Em que Aristóteles já preconizava que "a igualdade significa igualar os desiguais".

Casamentos nos moldes tradicionais, não existem mais e quando há, tem prazo determinado até a amante tornar-se a oficial e ocupar o lugar da mulher. Por mais que a mulher seja contribuinte para o sucesso profissional do marido, após sua ascensão econômico-financeira ele a descarta por outra mais jovem, com a devida chancela judicial. Os filhos encontram-se encaminhados e a mulher perde sua função. Assim, denunciou a famosa feminista Simone de Beauvoir em  "O Segundo Sexo"

"O corpo da mulher é um objeto que se compra; para ela, representa um capital que ela se acha autorizada a explorar."
"Quando uma mulher, durante 
dez ou vinte anos, se dedicou a um homem de corpo e alma, 
quando ele se manteve firmemente sobre o pedestal em que o 
ergueu, o abandono em que ele a deixa pode ser uma catástrofe 
fulminante."
Bem como, em "A Mulher Desiludida", a filósofa feminista aponta o desabamento da vida familiar, através da condição feminina em que de repente a mulher é abandonada pelo marido.

"Teríamos trinta ou sessenta anos? Os cabelos de André branquearam cedo; antigamente, aquilo parecia faceirice de sua parte: a neve realçando a frescura de sua tez. É ainda faceirice. A pele endureceu e fendeu-se, gretada como couro velho, mas o sorriso da boca e dos olhos guardou sua luz. Apesar dos desmentidos do álbum de fotografias, sua jovem figura se curva ante seu rosto de hoje: meu olhar não lhe reconhece idade. Uma longa vida com risos, lágrimas, cóleras, abraços, confissões, silêncios, impulsos, e parece, às vezes, que o tempo não passou. O futuro se esconde, ainda até o infinito. Levantou-se:
- Bom trabalho! - me disse.
- Para você também: bom trabalho.
Não respondeu. Nesse gênero de pesquisas, inevitavelmente, existem períodos em que se marca passo; ele se resigna menos facilmente que outrora."
"Aconteceu. Aconteceu logo a mim.
Pois bem, sim! Isto me aconteceu. É normal. Devo persuadir-me e jugular essa cólera que me sacudiu durante o dia inteiro, ontem. Maurice me mentiu sim."
Todavia, em uma das assertivas dos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels em o famoso opúsculo do "Manifesto Comunista" de 1848, já previa os estertores da extinção da família.

"A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias.
Nossos burgueses, não contentes em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer em cornearem-se uns aos outros.
O casamento burguês é, na realidade, a comunidade das mulheres casadas. No máximo, poderiam acusar os comunistas de querer substituir uma comunidade de mulheres, hipócrita e dissimulada, por outra que seria franca e oficial. De resto, é evidente que, com a abolição das relações de produção atuais, a comunidade das mulheres que deriva dessas relações, isto é, a prostituição oficial e não oficial, desaparecerá."
Contudo, as relações mudaram, as entidades familiares são outras, tanto que há uma insistência em oficializar as uniões informais, as quais vão desde a união estável de homoafetivos em casamento e, até mesmo a união poliafetiva. A bem da verdade, esta necessidade de oficializar relações antes consideradas clandestinas, consiste numa rebeldia aos padrões conservadores.

Um comentário:

  1. obrigado por disponibilizar esse texto, estou fazendo um trabalho sobre novos arranjos familiares, e relacionamento homoafetivos. E esse texto me ajudou muito, tem muitas coisas que pude ate colocar no meu artigo do trabalho.

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